DIA 13

O que está prestes a ler é uma realidade exagerada de algumas coisas que já pensei. É uma página de um diário fictício.

Uma sessão de terapia

Estou aqui há cerca de 40 minutos esperando. Claramente, meu horário já passou. Fico prestando atenção nas plantas falsas que têm na sala e penso que não seria difícil cuidar de plantas de verdade, mas, pela poeira nas plantas, dá pra entender o porquê de serem falsas.

Na TV passa um vídeo interminável de barulho de chuva e eu mal percebo o tempo passar. O som da chuva não condiz com o ambiente, com as plantas empoeiradas e o cheiro de lavanda. Parece que quinze pessoas estavam no meio do projeto e nenhuma quis ser flexível.

Em momento algum olhei para o meu celular. Não tem nada nele que eu queira ver.

Logo ela me recebe e, atrás dela, uma moça com cara de choro se despede, agradece e vai embora.

Antes mesmo de começar, eu começo com:

— Acho que tô sentindo raiva.

— Pode continuar — ela fala.

— Eu não lembro de já ter sentido, nem de ter sido tomada por esse sentimento. Mas sinto meu corpo reagir. Vejo que, às vezes, não é minha mente — é o corpo indo por conta própria. Nunca reagi pela raiva em momento algum, mas quando o sentimento passa pelo meu corpo, eu sinto que posso fazer o que ele tá mandando.

Essa semana, a menina que trabalha comigo gritou do meu lado umas três vezes. Ela não precisava gritar. Eu não reagi e nem senti nada no meu corpo. Só pensei várias vezes: “ela não precisava gritar por isso.”

Essa semana, terça… quarta? Acho que foi na terça. Eu estava deitada. Não sei explicar. Meu corpo… é como se uma corrente elétrica estivesse passando pelos meus nervos, como se eu estivesse atônita. A sensação era que algo iria explodir. Naquele momento, eu senti que era capaz de fazer qualquer coisa.

Que eu seria capaz de apertar um gatilho. Que eu não pensaria antes de agir. Meu corpo estava reagindo a alguma coisa.

Será que é trauma de alguma coisa? Não lembro de já ter vivido algo dessa forma pra isso surgir do nada.

Não sei por que não sinto e nem me elevo quando deveria. Pelo menos quando acho que deveria — levo em consideração o que vejo das outras pessoas.

Isso sempre acontece quando eu tô sozinha. Nunca tem ninguém por perto. E sempre tá tudo bem. Mas, quando vejo, tô brigando a mesma briga pela terceira vez dentro da minha cabeça, tendo as sensações no corpo que eu teria se essa briga acontecesse de verdade.

Me olho no espelho e vejo muitas pessoas ao mesmo tempo. “Esse cabelo não combina comigo” — penso no meio da discussão.

O que você acha que pode ser? Você acha que eu tô deixando de ver alguma coisa? Eu não sei quando isso vai acontecer.

Quando fecho os olhos, obviamente não vejo nada. Mas se me concentro, vejo alguma coisa se mexendo — um feixe de luz muito rápido, nervoso. Parece que vai explodir. Quando percebo, acho que é essa a sensação de quando alguma coisa grande vai acontecer.

Mas por que você acha que eu não sinto raiva quando deveria? Tipo quando a menina gritou? Eu já me vi várias vezes em situações assim e não pinga uma gota de raiva ou impulso.

Não sei se é minha mente segurando as pontas, me fazendo pensar muito antes de reagir, ou se eu só não funciono do jeito certo.

Pensa numa montanha-russa. Antes da descida, tem uma subida. É como se minha mente me segurasse lá em cima, vendo a queda, me preparando pra ela — mas nunca me soltando.

Consigo respirar, consigo ver o destino final, mas nunca chego lá. Nunca me deixam descer. Mas sinto que posso. E que posso sentir isso. No caso, a raiva.

Ninguém, em momento algum da minha vida, demonstrou raiva pra mim.

Só uma vez, que vi meu pai bravo. Ele bateu numa mesa. Mas foi só isso.

A terapeuta para e anota alguma coisa no caderno. Só quando falo do meu pai.

Freud deve estar orgulhoso dela.

Que cínica — penso comigo mesma. Que terapia fajuta. Eu sei o que ela tá procurando.

Continuo com:

— Às vezes, também sinto que não estou aqui. Meu corpo sei que está, mas minha mente vai embora. Fico só com as coisas que já sei.

Eu fiquei 40 minutos na recepção e não percebi. Nem pensei em tantas coisas, só nas que estavam na minha frente.

Esses dias, me peguei olhando pro mesmo lugar por muito tempo e não pensando em absolutamente nada. Já vi algumas pessoas falando sobre isso, mas não sei o nome.

Às vezes, tenho a sensação de que fui embora também — fazendo coisas no dia a dia mesmo.

A sensação passa como se fosse vento.

Só percebo quando passa.

É como se meu corpo tivesse ficado sozinho por um instante.

Depois disso, demoro um pouco pra voltar à linha de pensamento da coisa que estava fazendo.

Olho pro relógio e vejo que só se passaram 10 minutos.

“O QUÊ?” — penso, com vários pontos de exclamação.

Eu já estava exausta. Não tinha mais o que falar nessa altura do campeonato.

Fico uns dois minutos quieta, pensando nos 10 minutos e em tudo o que falei.

Minha boca começa a falar sozinha:

— Tenho tido a sensação de que estou suja também.

Sinto a sujeira na minha mão e, se fico muito tempo em algum lugar, sinto a sujeira no corpo inteiro — mesmo não tendo sujeira.

Começo a ficar nervosa.

Me perco na sensação e parece que tudo no mundo se resume nisso: sujeira.

Fico desesperada e preciso sair de onde quer que seja.

Preciso ir embora.

Olho pra terapeuta e não vejo nenhuma reação.

Penso, então, que é normal.

Continuo:

— Essa semana, lembrei de uma vez que fui viajar com meus pais, quando era criança. Eu tinha uns três anos. Nem sei por que lembro. Se realmente lembro, ou se só sei por conta das fotos.

Ela para e anota no caderno.

Não entendo como isso pode ser importante. Fico quieta e espero ela terminar de escrever.

Sinto alguma coisa. Tenho um vislumbre do meu corpo levantando e indo ver o caderno, mas não é verdade.

Começo a me sentir suada, mas não tem suor.

Olho para minhas mãos e vejo que elas realmente estão ali, e não estão sujas — mas eu sinto nos nervos a sujeira entre os dedos.

Nisso, ela começa com:

— Olha, vou te passar um exercício de respiração…

Meus ouvidos param de ouvir e começo a me sentir confusa.

“Respiração? Você tá brincando?”

Os pensamentos ficam tão confusos que não sei dizer o que continua acontecendo ali, dentro da minha cabeça, e com as coisas que ela estava falando.

Ela continua.

As palavras “respiração” e “quando sentir isso” passam pelos meus tímpanos de uma forma ensurdecedora.

Olho para minha mão e já não tenho certeza se são minhas de verdade.

Volto quando ela fala:

— Semana que vem, no mesmo horário?

Respondo que sim e pergunto se posso ir ao banheiro.

Lavo minhas mãos três vezes e saio.

Não sei se lavei a mão três vezes mesmo. Acho que esqueci de contar. Ou contei demais.

Sei que, até eu voltar a sentir aquele maldito cheiro de lavanda e ouvir aquele barulho de chuva, penso que estou louca.

“Foi verdade isso?”

“Eu lavei a mão?”

“Ela tava falando mesmo de respiração?”

“Ela só anotou no caderno quando eu falei do meu pai.”

“Quantas vezes eu lavei a mão?”

“O tempo passou muito devagar lá dentro.”

“Eu lavei a mão mesmo?”

“Acho que estou louca.”

Quando vejo as plantas empoeiradas, os pensamentos vão embora e só consigo pensar que não deve ser tão difícil cuidar de uma planta de verdade.

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